segunda-feira, 29 de agosto de 2016

A Amiga Genial, de Elena Ferrante

Sinopse:

A Amiga Genial é a história de um encontre entre duas crianças de um bairro popular nos arredores de Nápoles e da sua amizade adolescente.

Elena conhece a sua amiga na primeira classe. Provêm ambas de famílias remediadas. O pai de Elena trabalha como porteiro na câmara municipal, o de Lila Cerullo é sapateiro.

Lila é bravia, sagaz, corajosa nas palavras e nas acções. Tem resposta pronta para tudo e age com uma determinação que a pacata e estudiosa Elena inveja.

Quando a desajeitada Lila se transforma numa adolescente que fascina os rapazes do bairro, Elena continua a procurar nela a sua inspiração.

O percurso de ambas separa-se quando, ao contrário de Lila, Elena continua os estudos liceais e Lila tem de lutar por si e pela sua família no bairro onde vive. Mas a sua amizade prossegue. 

A Amiga Genial tem o andamento de uma grande narrativa popular, densa, veloz e desconcertante, ligeira e profunda, mostrando os conflitos familiares e amorosos numa sucessão de episódios que os leitores desejariam que nunca acabasse. (in Goodreads)



Opinião:

Não podia ficar indiferente aos excelentes comentários que andei a ler sobre este livro e decidi lê-lo. Uma premissa diferente, uma narrativa extensa em detalhes do quotidiano, uma amizade de infância. Tudo aspetos que me aguçaram a curiosidade.

Este é o primeiro volume de quatro e é aqui que tudo começa. Depois do desaparecimento de Rafaella (Lila), já em idosa, Elena (Lenú) vê-se de novo rodeada pelas memórias da sua infância e de como se começou a relacionar com Lila, na época da primeira classe.

Lila é o oposto de Lenú. Enquanto Lenú é gentil, aplicada, boa menina, Lila é maldosa, irreverente e estranha. Lenú cedo começa a sentir uma grande atração por Lila, essencialmente porque é o seu oposto e também porque gostaria de ter a capacidade de afirmação e de irreverência de Lila, que acaba por se mostrar muito mais inteligente e esperta do que todas as outras crianças do bairro, incluindo Lenú. O ambiente pobre, pós segunda guerra, violento e também relacionado com a máfia, faz com que a história de vida e de amizade de ambas seja uma verdadeira delicia, uma vez que a forma completamente natural e real com que Lenú conta a história é simplesmente surreal. Gostei imenso de ambas as personagens. Lila é sem dúvida especial e interessante, se bem que Lenú também tenha a sua magia única, apesar de nem sempre se mostrar tão brilhante como a de Lila. 

O contexto em que tudo acontece também é fundamental para a compreensão do enredo, como referi no parágrafo anterior. Um bairro social de Nápoles, onde os ódios e as vinganças imperam, algumas delas com a mão da máfia nelas, outras com acontecimentos muito antigos mas que não foram perdoados nem esquecidos. É pintado um cenário bastante negro da vida social e económica das personagens, cenário esse faz com que os comportamentos violentos, por vezes horríveis das personagens estejam contextualizados e coerentes com o seu meio, apesar de nada justificar muito do que é contado no livro.

A narrativa é feita na primeira pessoa e os acontecimentos vão surgindo espontaneamente, de forma ordenada, mas um tanto caótica na sua apresentação. Por vezes o que foi referido há algumas páginas volta para justificar outros acontecimentos e noutras vezes as justificações só aparecem muito depois. Isso faz com que a leitura seja especial e atenta. É uma escrita e uma história que puxa constantemente pelo leitor, tanto a nível mental como da própria curiosidade. O que acontecerá? O que aconteceu? E depois? Estas são apenas algumas das questões que vão sendo colocadas pelo leitor enquanto está a espreitar a vida daquelas raparigas e de todo o bairro. 

Existem questões bastante interessantes que vão sendo abordadas ao longo da narrativa. Os sentimentos das personagens, em especial de Lenú, enquanto narradora, estão em especial destaque. A capacidade de autoanálise dela é incrível. As justificações para os seus atos e pensamentos, as justificações para os seus medos e inseguranças, tudo está extremamente bem apresentado e tratado ao longo da história. O amor, o ódio, a amizade, a inveja, a intriga, a paixão, o medo...todos os sentimentos passam pela avaliação de Lenú, muitas vezes servindo de comparação com outras personagens, em especial Lila. 

Tendo em conta que o livro abrange um grande período de tempo (infância e adolescência), é extremamente interessante observar e constatar as diferenças que vão acontecendo tanto nas atitudes, como na própria forma de narrar de Lenú. A visão da sua infância, do que lhe aconteceu, dos seus medos e das suas atitudes está descrita e narrada de forma quase infantil. É como se a Lenú criança estivesse a narrar a sua vida, mas sem ser criança, pois a autoavaliação que faz é constante. O que Lenú faz de perfeito é colocar-se, enquanto adulta, no papel exato de quando era criança e conseguir transmitir todos esses sentimentos infantis. 

Quando o livro passa para a parte da adolescência, também a narrativa muda, uma vez que as personagens cresceram, apesar de Lenú narrar tudo enquanto adulta. A preocupação pelo amor, pela paixão, a descoberta da sexualidade, da violência, do ciúme, do ódio amoroso, tudo está presente e aparece constantemente, por vezes tudo ao mesmo tempo, tal não é a violência com que os acontecimentos se vão dando ao longo da narrativa. As preocupações infantis são postas de lado e aparecem outras, mais prementes, mais perigosas. Os grupos e a pertença a estes é o grande foco, bem como as relações amorosas entre as personagens. Os rapazes da história começam a ter um destaque diferente, maior, e começam a aparecer e a ter bastante relevo, pois passam a ser o centro das atenções das raparigas. Também as questões laborais vão tendo mais destaque, bem como uma visão realista e crítica da sociedade, economia e política, que até então não aparecia na narrativa. 

Ao ser um livro com poucos diálogos (mas fortes e poderosos), há quem possa não apreciar muito. Não o façam. Apostem na leitura destes livros, porque é uma leitura diferente, que enche o leitor e que o faz ver as coisas à sua volta com outros olhos, com um olhar mais crítico, mais duro. É fácil para quem está a ler identificar-se com as personagens, com as suas atitudes, sentimentos e angustias. Pode não ser uma leitura fácil e muitas vezes tem passagens bem negras e drásticas, mas é de facto uma obra prima, que mexe com as emoções e que nos faz querer saber mais, estar sempre a par da vida destas personagens. Tem um timing perfeito, ou seja, os acontecimentos conseguem ser narrados do tempo perfeito, no instante mais preciso, mais fundamental, de modo a que o leitor se exalte, se arrelie e se encha de vários sentimentos, que poderão ser contraditórios. Recomendo vivamente e tenho muita curiosidade para ler os próximos.

NOTA (0 a 10): 10 

4 comentários:

  1. Adorei a tua opinião! Excelente e pormenorizada!
    Já li as quatro obras que compõem a tetralogia e, tal como tu, apaixonei-me por esta história dura, complexa e muito real!
    Fico à espera das opiniões das restantes três!
    Continuação de boas leituras!

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    1. Muito obrigada!
      Estou muito curiosa para ler os outros três livros. De facto, aqui está uma história muito completa, diferente, madura e como dizes, dura. Porque o é completamente, é bastante violenta.

      Excelente e eu fico à espera das tuas palavras =D

      Obrigada, para ti também!

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  2. Viva,

    Bem que grande comentário, parabens e fica desde já registada esta tua sugestão, pode não ser uma leitura fácil mas acaba por ser muito gratificante pelo que percebo :)

    Bjs e boas leituras

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    1. Olá Fiacha,

      muito obrigada, gostei muito do livro, é maravilhoso e é com grande curiosidade que aguardo a leitura do segundo.

      Espero que o leias brevemente e que gostes, porque eu acho que vais gostar =)

      Bjs e boas leituras

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