sexta-feira, 22 de agosto de 2014

A Luz das Runas, de Joanne Harris

A Luz das Runas é a continuação de A Marca das Runas, excelente livro da autora Joanne Harris, que muito me agradou. Este não se lhe ficou atrás, nem por sombras. Para mim, A Luz das Runas mostrou-se um pouco superior ao seu antecessor, especialmente por causa dos cenários do enredo, da forma como este se foi desenvolvendo e também por causa da evolução das personagens. 


Passaram-se três anos desde os acontecimentos narrados no livro anterior. Maddy vive com a sua família de deuses em Malbry, no antigo presbitério dos Parson. Depois de algum tempo de calma, Loki é atacado por uma cobra-mulher, um efémero nascido do sonho com um aspeto mortífero para Loki e com o propósito de o matar. Maddy aparece para o salvar, mas depois desse ataque, tudo muda na vida dela e dos deuses. Ethel/Frigg, Vidente, profetiza o reconstrução de Asgard e o Fim dos Mundos, dentro de doze dias, e assim começa a nova aventura pela sobrevivência, poder e vida dos Æsir e dos Vanir, a luta entre a Ordem e o Caos. Porém, a demanda é mais perigosa do que se poderia esperar, pois há uma força que tenta por tudo aniquilar o Povo do Fogo, força essa que é controlada por Maggie, uma rapariga do Fim do Mundo, que viu a sua família morrer depois da Bem-Aventurança (ou da guerra levada a cabo pelo Inominável (Mimir) contra os deuses três anos antes) e da peste que se lhe seguiu, bem como da queda da Ordem. Maggie viveu sozinha por três anos, apenas do ordenado mísero a servir numa estalagem/bar, e do seu estudo através dos milhares de livros (incluindo o Livro das Palavras) por ela descobertos nos túneis da cidade e da Universidade.Todos os esforços são necessários e as mentiras e intrujices são mais do que muitas, tornando as tarefas das personagens bastante árduas.

Gostei muito da narrativa. Apesar de a construção do enredo ser bastante parecida com a do livro anterior, é possível constatar que existe um maior amadurecimento, tanto a nível das personagens como da narrativa. A história é mais complexa, torna-se mais adulta, mais negra. As viagens feitas pelas personagens tornam-se mais complexas, por mais locais do que aqueles que são apresentados no primeiro livro, o que faz com que se tenha uma ideia mais alargada também e bastante mais profunda do ambiente em que as personagens vivem e das suas diferentes culturas. Gostei bastante de ver a cidade do Fim do Mundo, bem como a outra cidade por onde o grupo dos Æsir e dos Vanir passaram aquando da sua viagem até ao Fim do Mundo, onde atuaram e jogaram um perigoso jogo com um ser fantástico. 

Como já referi anteriormente, as personagens mostraram um maior amadurecimento. Depois de três anos isso seria de esperar, mas a subtileza das alterações psicológicas das personagens está muito bem. Também não há uma linearidade nas suas personalidades e nos seus pensamentos/emoções. A autora conseguiu construir um leque de personagens onde a duplicidade está sempre presente. Não digo duplicidade como algo negativo, mas como uma característica de complexidade e interesse.

Também penso que a autora fez um bom estudo da personalidade através das personagens. Afinal, nada é linear e as escolhas que têm de fazer são sempre difíceis. Tudo é mais complexo do que aquilo que parece e nada é perfeito ou totalmente imperfeito. O bom e o mau estão presentes em tudo e todos podem ser surpreendidos e surpreender, tanto por um lado como pelo outro. É um bom estudo, subtil, mas presente.

Ao observar o desenrolar da ação e das ações e pensamentos das personagens, consegui estar sempre seguir os raciocínios e decisões delas, conseguindo também compreender a ambiguidade das suas personalidades e os porquês das suas duplas condutas. Isto é interessante. Por exemplo, Loki tem uma evolução fantástica e árdua, o que é fantástico e que muito me agradou. Também Maddy e Maggie mostram uma grande personalidade, mesmo que por vezes me tenham irritado, em especial Maggie (que no início me estava a deixar um bocado chateada com ela mesma, desejando que Maddy e os outros não se aliassem a ela), que acabou por me surpreender e por ser uma mais-valia para o enredo.  

De realçar também as outras personagens que apareceram neste livro e que foram uma “lufada de ar fresco”: Angie (Angrboda), os Lobos, Sigyn, os Corvos, Perth. Personagens muito interessantes, cujas ações estão muito bem concretizadas, sendo bastante úteis, e necessárias, para a narrativa. 

Outro aspeto que me agradou bastante foi o desenvolvimento da narrativa. Estas histórias da autora não parecem apresentar um fio condutor muito explícito no início, mas a dado momento tudo se começa a encaixar, demonstrando assim a complexidade da história e de como os acontecimentos estão intricadamente relacionados entre si. Isto é uma mais-valia para a história, a meu ver. Também as profecias e antigas canções de embalar/infantis voltam a ter grande importância, acabando por definir a história em si.
Também as descrições são bastante interessantes, no entanto penso que poderiam haver mais. Por vezes, sente-se que o ritmo frenético da história acaba por interferir com a imagem global do ambiente à volta. Algo que não prejudica de modo algum a leitura, claro. 

Bem, já tinha saudades de voltar a ver estas personagens, principalmente o Loki. Sim, é o meu favorito e estava com algum receio de que ele não aparecesse tanto na história, mas fiquei agradavelmente satisfeita com a sua brilhante atuação ao longo de toda a narrativa, sentindo alguns momentos de apreensão e outros de alegria. E gostei imenso de o ver com Angie e Sigyn. 

Em suma, esta é uma história muito boa, divertida, complexa, interessante e com momentos de pura fantasia. Pessoal que gosta de Fantasia, não tenha medo de arriscar. Pessoal que gosta de qualquer outro género literário, também não tenha medo, estes livros são excelentes! Joanne Harris fez um bom trabalho com os deuses nórdicos e as suas aventuras prometem momentos de grande emoção e umas boas gargalhadas. Recomendo vivamente!

- Querido - disse ela - Porque demoraste tanto? - Ela levantou-se e beijou-o na boca. A sensação foi realmente bastante agradável, pensou ele. Afinal, haviam passado mais de quinhentos anos desde que alguém quisera ter alguma coisa a ver com a sua boca, exceto talvez para a fechar de vez.
Fechou os olhos. As mão de Sigyn uniram-se no fundo das suas costas e apertaram-no...
pág.589

NOTA (0 a 10): 10

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Pendragon - O Ciclo Pendragon, de Stephen Lawhead

Este é o quarto livro da saga sobre a lenda arturiana do escritor Stephen Lawhead. Depois de ter lido a trilogia (Taliesin, Merlim e Artur), decidi continuar a ler sobre Merlim e Artur, seguindo para Pendragon. Apesar do ciclo ter ficado fechado em Artur, Pendragon dá-nos a conhecer algumas histórias que não aparecem (ou que não têm tanto detalhe) no último livro da trilogia. Há mais detalhes sobre a vida de Artur e sobre algumas das batalhas, dando-se especial destaque às batalhas com os Vândalos.

Este livro retoma a vida de Artur desde a sua infância até depois da batalha com os Vândalos. Neste quarto livro, para além das batalhas, a Bretanha vê-se a braços com uma praga que dizima a população: o Devastador Amarelo. Assim, a tarefa de Artur e Merlim para dar a conhecer e construir o Reino do Verão vê-se bastante conturbada e até periclitante.

Merlim é o narrador da história, um dos melhores narradores desta saga. É através das palavras extremamente bem elaboradas e colocadas em frases soberbas que Merlim nos vai contando a vida de Artur. Sendo seu bardo e conselheiro, tem uma posição privilegiada junto do Supremo Rei da Bretanha. No entanto, há muito sobre Merlim que também aparece na história. Confesso que as partes em que Merlim tem destaque são das que mais me agradam, apesar de todo o conjunto ser maravilhoso e me agradar. Mas tenho um fraquinho pelo Merlim, mais do que pelo Artur, daí esta minha preferência. Gosto especialmente das partes em que o Outro Mundo aparece, uma vez que são momentos de extrema magia e maravilha. Gostei de rever Ganieda, a eterna amada de Merlim nesta história.

Tendo em conta o final do terceiro livro, foi com gosto que peguei neste para saber mais detalhes sobre a história em si. O autor manteve a estrutura cronológica igual e os acontecimentos que aparecem em ambos os livros coincidem. Há alguns que tiveram mais destaque no terceiro livro que são apenas referidos neste e vice-versa, ajudando à complementaridade da história em si. Senti a falta de Morgana, que apenas aparece em algumas referências a momentos passados no terceiro livro. Ela é uma das minhas personagens preferidas da lenda de Artur, se não a que mais gosto (para além de Merlim). Também gostei de rever algumas das personagens mais queridas da saga, como Peleias, o fiel escudeiro de Artur, cujo desfecho pareceu-me bastante cruel, na medida que é mais ou menos uma incógnita, ficando apenas a saber-se o que aconteceu sem detalhe algum. Também gostei de rever as personagens pertencentes ao Povo das Fadas, que tanto me agradam e recordam especialmente o primeiro livro da saga. Neste livro também os Irlandeses aparecem mais, sendo a ilha e as suas personagens um ponto fulcral na história. Gwenwyvar também acaba por ter maior destaque neste livro do que no anterior, o que achei interessante porque é uma personagem que muito me agrada: uma rainha lúcida, guerreira, forte, leal, brava, corajosa e extremamente amável para quem o merece.

As descrições estão bastante vividas, dando a impressão que o leitor está mesmo no meio da ação. Tanto as descrições das batalhas como dos espaços dão esta mesma sensação, que me agrada sobremaneira. E isto sem ser uma descrição em demasia.

O autor consegue mais uma vez criar uma história rica sobre Artur. Mesmo que muitos dos aspetos referidos e o enredo em si não ir ao encontro do que a lenda refere, o que é certo é que não há dados reais sobre a história: é uma lenda. E Stephen Lawhead conseguiu, a meu ver, criar uma história brilhante, juntando História com lendas e acontecimentos indefinidos. A época em que a narrativa acontece é das que mais me fascina e o espaço em que a ação decorre, também. A forma como a história se desenvolveu desde o primeiro livro até aqui é magistral, cobrindo um espaço de tempo bastante extenso, permitindo, assim, dar a conhecer um período alargado da História, mesmo que nem tudo seja real. E esse conhecimento é, para mim, maravilhoso. Assim, só tenho elogios a fazer em relação à forma como o autor tem conduzido a narrativa. A prosa é por demais maravilhosa, criando um ambiente prefeito, em especial quando o narrador é Merlim (o autor consegue criar narradores bastante distintos, com uma prosa extremamente relacionada com a sua maneira de encarar o Mundo): parece que se está a ler uma história escrita naquele período. Este é o sentimento com que fico ao ler estes livros, e isso é fantástico.

Mais um maravilhoso livro de Stephen Lawhead sobre a lenda arturiana que recomendo totalmente! 

Citação:

- (...) Se queres viver, pelo caminho por onde viestes terás de voltar.
Deu dois passos atrás e, pousando as pontas dos dedos nos lábios, beijou-os, erguendo para mim a mão ágil.
- Adeus, de-todos-o-mais-amado - disse. - Lembra-te, virei para te levar, um dia...
- Por favor, Ganieda - gritei, a dor avultando-se dentro de mim, como uma onda -, não me deixes! Por favor!
p.356 

NOTA (0 a 10): 10