sexta-feira, 27 de março de 2015

O Oceano no Fim do Caminho, de Neil Gaiman

Sempre que começo um livro de Neil Gaiman sei que vou entrar num mundo de magia, diferente de qualquer outro presente noutros livros. Gaiman consegue sempre levar-me para outra dimensão e mostrar-me algo diferente, em que tudo é possível e onde tudo existe, onde há espaço para todos os sonhos, todos os medos e todos os desejos. Esta obra não foi excepção.

Sinopse:

O Oceano no Fim do Caminho conta a história de um homem, cujo nome não se sabe, que, na sequência de um funeral na sua terra natal, acaba por ir parar ao local da sua infância, primeiro ao local onde havia morado em criança e depois ao final do caminho, à quinta das Hempstock, onde acaba por encontrar uma velha amiga. Para descansar e reflectir um bocado, o narrador senta-se no jardim da quinta, num banco com tinta lascada, a olhar para o lago artificial da quinta, o lago estranho que Lettie Hempstock, a sua amiga de infância dizia ser o oceano. E durante o tempo que esteve a olhar para o lago, todas as memórias de infância lhe vieram à mente, em especial os acontecimentos posteriores à sua festa de sétimo aniversário, à morte de um homem que morava na sua casa e de ir pela primeira vez à quinta das Hempstock, e de ter conhecido Lettie. 

No dia em que o homem morreu e ele conheceu Lettie, toda a sua existência mudou e viu-se rodeado de coisas estranhas, mágicas, assustadoras. Algo queria entrar no mundo, accionado pela morte do homem, e ele e Lettie tentaram travar esse mal, acabando por viver uma perigosa aventura, onde tudo é real e onde tudo é estranho e assustador. 

Opinião:

Não há muito mais que possa dizer sem entrar em detalhes e sem "estragar" a magia desta história, que é daquelas onde os spoilers não são bem vindos. A história é magnífica, tem um poder maravilhoso, em que as palavras evocam imagens de grande poder e realidade. Foi impossível não comprar esta história com uma outra do autor: Coraline e a Porta Secreta, que li algumas vezes na minha adolescência. Este livro pode ser considerado para adultos, mas a essência é a mesma, os temas são quase os mesmos, vistos aqui por um prisma muito mais negro e triste, porque o livro é para adultos e por isso pode haver mais lados negros e tristes durante a história. Os medos infantis, que acabam por ser os medos de toda a vida, voltam a ter lugar de destaque e a obra é uma boa reflexão sobre a infância e sobre as memórias que essa etapa nos deixa, memórias essas que podem ser distorcidas, desfocadas pelos anos, mas que são reais. É fácil o leitor pensar "será que o que aconteceu comigo foi alterado? será que moldaram os acontecimentos? será que é possível cortar pedaços do tempo e largá-los para o infinito, para o vazio? será que existem portais e espaços onde os mundos se cruzam? será que outros seres caminham ou poderiam caminhar neste mundo? será a realidade aquela que nós vemos ou será que não passa de uma camada que cobre outra coisa?" Tal não é poder que a história tem. 

Também não pude deixar de comparar esta história a uma outra, esta do ramo cinematográfico: O Labirinto do Fauno. Esta é outra história que poderia parecer para crianças, mas que não o é e em que a infância mostra ser uma etapa bastante negra e assustadora. 

Em todas estas histórias está presente um importante facto para que tudo aconteça: as personagens não duvidam, não põem em causa aquilo que vêem. Elas acreditam no que está à sua volta, no que é estranho, mágico e que parece "mentira". Mas não é e é mais verdade do que tudo o resto. Mais uma vez, volta-se à dicotomia adulto/criança, em que em criança tudo é possível, onde não há barreiras entre mundos, e em que em adulto já nada disso é possível, onde tudo é "normal". O narrador reflecte várias vezes sobre isso mesmo, de uma excelente forma e extremamente poderosa, podendo dizer-se que esta é uma história sobre a infância, sobre a magia que ela encerra e sobre as memórias que ficam dessa etapa que vai ficando para trás, mas que tanto marca. É uma história sobre a saudade da infância e sobre a capacidade de acreditar; sobre o que é real ou não...sobre todas as realidades e sobre o que não se conhece, ou já se conheceu e esqueceu. E o facto de poder haver um local onde seja possível encontrar essas memórias acaba por transmitir um reconforto muito grande.

Esta é uma obra bastante melancólica, onde não há barreiras entre o que parece real e o que não parece...é uma bonita história sobre amizade, sacrifício e sobre sonhos e mistérios. Fica sempre algo no ar e nada fica concluído, aliás, à medida que a história se vai aproximando do fim, os mistérios só se adensam, o que faz com que haja uma aura de infinito mistério à volta da história destas personagens, principalmente das Hempstock. É uma narrativa pequena, que mostra a grandeza imaginária do autor, que me tem agradado imenso desde a adolescência e que me transporta para o primeiro momento em que li um livro seu.

Recomendo vivamente e que leiam com uma mente aberta. É uma história estranha, um tanto assustadora, escura, misteriosa...como quase todas as suas histórias, que são tão boas, e é isso que a faz maravilhosa. Espero que gostem tanto como eu.

Citações:

- (...) Quanto aos adultos... - Parou de falar e esfregou o nariz pintalgado de sardas. - Vou dizer-te uma coisa importante. Os adultos também não parecem adultos, no interior. Por fora, são grandes e intrépidos e sabem sempre o que fazer. Por dentro, são como sempre foram. Como eram quando tinham a tua idade. A verdade é que não adultos. Não existe nem um, no mundo inteiro.  (...) p. 119

NOTA (0 a 10): 9

12 comentários:

  1. Olá Maria
    De facto ainda não li muito de Neil Gaiman, mas é um autor que quero ler, porque tenho gostado bastante do que tenho lido.
    Este livro prende-me bastante, vou ter de o ler :)
    Gostei muito da tua análise, pois sem colocares spoilers, dás uma imagem bastante clara do livro. Gostei muito.
    Um livro a ler, sem qualquer dúvida

    beijinhos e boas leituras

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    1. Olá Caminhante,

      este é o terceiro que leio dele. Li Coraline e a Porta Secreta e Stardust, ambos boas leituras. Este agora também foi, diferente e boa também. Espero que gostes bastante das suas histórias.
      Depois vou querer ler a tua opinião =)
      Muito obrigada, fico contente por ter transmitido a mensagem sem contar nada do enredo =)
      Espero que gostes.

      Beijinhos e boas leituras

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  2. Olá Maria Rita

    Este livro de Gaiman é , até à data, um dos meus preferidos

    Acho que já disseste tudo

    Bjos

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    1. Olá Elsa,

      sim, é melhor do que a Coraline e do que Stardust, pelo menos. Agora tenho o Neverwhere para ler.

      Obrigada =)

      Bjs

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  3. Viva,

    É Gaiman é bom, não li mas conto um dia ler ;)

    Parabéns pelo comentário está muito bom :)

    bjs e boas leituras

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    1. Viva Fiacha!

      Muito bom mesmo. Um autor diferente de todos os outros. Espero que leias e que gostes =)

      Muito obrigada =D

      Bjs e boas leituras

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  4. Adoro o Neil Gaiman, embora só tenha lido duas obras dele. O seu artigo me fez ter ainda mais vontade de ler o livro.

    Abs e excelentes leituras!

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    1. Olá Cassiana,

      espero que leias em breve e que depois escrevas a opinião no blog, para eu ler =)
      É um autor fantástico, sem dúvida!

      Bjs e boas leituras!

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  5. Olá Miss Lamora

    Gosto tanto quando vejo comentários positivos a livros que também gostei. Adorei este livro e cada vez mais adoro o autor. É uma excelente leitura, sem dúvida.

    beijinhos

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    1. Olá Sofia,

      é um livro muito bonito, bem ao estilo peculiar de Gaiman. Ele faz-me lembrar o Tim Burton, poderia dizer-se que ele é o Tim Burton da literatura =)

      Beijinhos

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  6. Eu estou a começar a ler Gaiman e estou a gostar.
    Excelente opinião :D
    Parabéns.

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    1. Olá!

      Qual estás a ler?
      O autor tem uma escrita fantástica, cheia de magia.
      Muito obrigada =)

      Fico contente por teres gostado!

      Boas leituras

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