
Stephen Lawhead mostra-nos o que está antes da vida destas personagens, mostra-nos o contexto anterior às suas vidas, algo sempre importante para conhecer bem as histórias e as personagens. Mesmo não sendo esta a verdade da lenda, tal nunca vai ser possível saber e este não é um romance somente histórico, tendo também algo de fantástico, se bem que muito do que acontecia naquela altura possa ser visto por nós hoje em dia como fantástico. Naquela altura não o era. Havia de facto druidas e outros conhecimentos que hoje estão esquecidos e que naqueles tempos eram normais.
Pois bem, "Taliesin" é o primeiro livro do Ciclo Pendragon, uma saga que conta a história de Artur, Merlim, Morgana e outras personagens que fizeram parte desta história. Mas há mais para além da lenda. Vejamos.
A narrativa é apresentada por duas grandes personagens (principais): Charis e Taliesin.
Charis, filha de Avallach e Briseis, reis de Sarras na Atlântida, é uma jovem rapariga forte, corajosa e persistente, que se vê a braços com a terrível destruição do seu mundo, lutando por salvar-se a si e aos seus. Consegue escapar da destruição da Atlântida, acabando por chegar a uma terra desconhecida: Llyonesse. Segue depois para Ynys Witrin, acabando por se estabelecer lá com os que conseguiram escapar, nomeadamente o seu pai, Avallach; a mulher deste, Lile; a filha, Morgana; e Annubi, amigo de Charis e vidente.
Charis acaba por tornar-se uma mulher solitária e triste, procurando por algo na sua vida, algo que não sabe sequer nomear.
Taliesin, filho adotivo de Elphin e Rhonwyn, foi encontrado por Elphin aquando de uma pescaria nas caniçadas do salmão, dentro de um saco de pele de foca, não se sabendo de onde veio nem de quem era. O rapaz é criado pelos pais adotivos e por Halfan, o bardo e druida de Caer Dyvi, conselheiro do pai de Elphin e depois de Elphin também. Taliesin acaba por tornar-se aluno de Halfgan, tornando-se no maior bardo que jamais existiu, de grande sabedoria e belo dom para a criação musical. Logo cedo começou a compor as suas canções, criando uma enorme fama como cantor e druida.
Todo o que acontece até à reta final é importante para todo o enredo; nada é ao acaso. As guerras, as intrigas, as paixões, as traições, as viagens...tudo vai culminar no final que está descrito no livro. Este é o início da vida de Merlim e de como é que ele foi feito, como nasceu e como isso foi um ato com grandes consequências. É a história da profecia da vinda de alguém que faria frente à Idade das Trevas, tempos em que os bárbaros avançaram pelo antigo Império Romano, saqueando, lutando e conquistando. É a história do início do Cristianismo na Grã-Bretanha, terra pagã. É a história da luta entre o passado e o futuro, entre as trevas e a luz. É a história de Morgana e de como ela começou a sua vida e a sua passagem por este mundo, semeando um caminho perigoso.
Este é o início da lenda da casa Pendragon, segundo Stephen Lawhead, e já me conquistou.
As personagens são muito ricas, complexas. Todas elas, mesmo as mais secundárias. É possível acompanhar a sua evolução, compreender os seus sentimentos e emoções. É possível compreender as suas vidas.
As descrições dos locais e dos ambientes são soberbas e tão bem feitas que, ao ler, é como se estivesse mesmo lá. É possível cheirar, respirar, ver, ouvir, percorrer os caminhos das personagens.
Através das canções dos bardos é possível ficar a conhecer mais sobre a História da Grã-Bretanha e das suas lendas. É possível ficar a conhecer mais sobre os modos de vida deste tempo, dos druidas e das pessoas em geral, que viveram neste Tempo.
O contexto histórico está muito bem elaborado, sendo possível fazer um paralelo com o que aconteceu de verdade: a presença romana, as invasões bárbaras, a chegada do Cristianismo e como se desenvolveu na Grã-Bretanha, nomeadamente nos locais apresentados na obra.
Gostei muito do livro e é com grande interesse que vou ler os seguintes, esperando que sejam tão bons ou melhores do que este!
Recomendo vivamente.
Charis já o ouvira falar muitas vezes da sua visão, mas agora ele cantava acerca dela, e, pela primeira vez, descrevia o rei que habitaria esse reino sagrado: um rei nascido para governar não pela força ou pelo título mas pelo amor da justiça e dos direitos; um rei nascido para servir a verdade e a honra, para conduzir o seu povo na humildade e para defender a sua terra em nome do Deus Salvador.
Ao ouvi-lo, Charis ficou com a impressão de que tudo o que Taliesin pensara ou dissera acerca desse reino imaginário estava a materializar-se na sua canção, ideias que se agrupavam em sons vigorosos, palavras que se formavam ao ser proferidas, carne a envolver o esqueleto filosófico.
E pensou: "O Reino do Verão nasceu esta noite, tal como a criança que tenho nos braços se fez carne e nasceu. Os dois foram feitos um para o outro. São apenas um."
Baixou os olhos, fitando o bebé que lhe sugava o seio.
- Estás a ouvir, Merlim? - perguntou-lhe num suave murmúrio. - O teu destino chama-te para lá do futuro. Escuta, meu filho. Esta é a noite em que o teu pai, cantando, deu uma nova forma ao mundo. Ouve e recorda. pág. 574.
NOTA (0 a 10): 10