quarta-feira, 4 de setembro de 2013

"Marina", de Carlos Ruiz Zafón

Não sabia então que o oceano do tempo mais tarde ou mais cedo nos devolve as recordações que
nele enterramos. pág. 10.

Nota: a sinopse do Goodreads não está aqui presente pois mais abaixo encontra-se um resumo feito por mim.

"Marina" é uma das primeiras obras de Carlos Ruiz Zafón. Li "A Sombra do Vento" o ano passado, também por esta altura e fiquei de pronto fascinada com a mestria do autor, sentido uma enorme vontade de ler todos os seus outros livros. Li também " O Jogo do Anjo", "O Prisioneiro do Céu" e "O Príncipe da Neblina" e já há um ano que queria ler "Marina". Foi com grande mistério que comecei a ler esta obra e senti-me logo fascinada pela história, pelas personagens e pela escrita/linguagem que o autor usa ao longo da narrativa. Zafón é um autêntico contador de histórias, cuja linguagem pode ser definida com os termos de "delicada", "bela" e "melancólica". Esta história está embebida numa melancolia muito profunda, que persegue e procede todas as personagens ao longo das suas vidas. É um prazer ler este livro, pois nele estão encerrados temas que são fascinantes e misteriosos, acalentando algo estranho e inquietante durante a leitura.

Em "Marina", Zafón apresenta-nos Óscar Drai, um jovem de 15 anos, interno de um colégio de Barcelona. Óscar conta-nos a sua história na primeira pessoa do singular, começando pelo final, para depois iniciar a narração da sua aventura até ao momento final. Óscar, desaparece durante uma semana, em maio de 1980, sem deixar rastro e sem aviso. Então, Óscar decide-se a contar o que aconteceu para se ter eclipsado do colégio. Óscar tinha um passatempo quando terminavam as aulas diárias: sair do colégio e ir passear para o as redondezas. Um dia, no final de setembro de 1979, ele encaminhou-se para o norte do Paseo de la Bonanova, no Sarriá, chegando a uma rua deserta, com uma mansão de dois andares, ladeada por um jardim abandonado com uma fonte de esculturas. Com o portão entreaberto e um gato, Óscar decide aventurar-se dentro do jardim. Acaba por entrar na casa, seduzido pelo som de uma música bela, vinda de um gramofone. Chegado a um salão cheio de quadros na parede, Óscar fica admirado pela beleza do salão, acabando por encontrar um relógio de ouro com uma inscrição. Enquanto admirava o relógio, é surpreendido por um vulto a erguer-se de um cadeirão. Assustado, Óscar foge da mansão, levando consigo o relógio.
Porém, ao longo dos dias, sente uma enorme necessidade de devolver o relógio e voltar à mansão, não querendo ser achado de ladrão. Decide-se e acaba por conhecer uma jovem, muito bela, Marina. Marina é filha de Germán, morando ambos na mansão. Óscar fica desde logo encantado por Marina e encontra em Germán um amigo (o vulto da primeira incursão), começando a frequentar a mansão. Marina acaba por convidar o jovem para um passeio, acabando os dois no cemitério de Sarriá, onde encontram uma misteriosa dama de negro, que todos os últimos domingos do mês vai até lá, com uma rosa vermelha, para colocar num misterioso túmulo. Marina convence Óscar a seguirem a dama de negro e acabam ambos por se verem envolvidos numa trama do passado que nunca poderiam ter imaginado nem sonhado. Juntos vão viver uma aventura intensa, cheia de perigos e de mistérios, cuja história eles nunca poderiam acreditar se não a presenciassem.
Marionetas macabras, criaturas desumanas, estranhas e infernais, um passado repleto de mistério, assassínios e fraudes, invejas e crimes, amores e desamores. Este é o cenário dantesco em que Óscar e Marina vêem as suas vidas mergulhar, para nunca mais serem o que eram antes.

 Personagens presentes na ilustração: Óscar, Marina, Germán Blau, Kirsten Auermann (no retrato), María Shelley, Eva Irinova, Mikhail Kolvenick, marioneta animada

Apesar do tamanho desta obra, das suas parcas 260 páginas, esta é uma história grande, intensa, grandiosa e decadente, que nos enche de melancolia ao ler, mas também de uma beleza sublime e de esperança. É uma história com vários ingredientes, sendo o suspense a sua maior iguaria, uma vez que a viagem ao passado das personagens é bem alucinante e aterradora. Preparem-se para emoções fortes, com alguns laivos de terror à mistura, bem como uma grande dose de romantismo decadente, onde a doença, a amargura, a deformação, o mistério, a utopia, a Natureza e a Ciência, fazem parte do enredo como o ar faz parte da atmosfera. Esta é uma história de fantasmas e de ecos do passado, onde nem tudo o que parece é.

Ao ler este livro, foi-me impossível não associar algumas das ideias a outras presentes nas outras obras deste escritor, nomeadamente no livro "O Jogo do Anjo", em que muito, para não dizer tudo, não é o que parece, sendo toda a história uma espécie de incógnita, muito bela e também macabra, por vezes. Este livro tem vários aspetos desses, sendo o mais normal ter sido "O Jogo do Anjo" a herdar as ideias de "Marina", que lhe é anterior. Criaturas de metal, madeira e carne e osso, animadas por experiências, estão também presentes em "O Jogo do Anjo" (algo que me fascinou na altura e me voltou a fascinar agora, pois a ideia subjetiva a tal conceito é frequentemente apresentada em ficção steampunk ou de fantasia, como é o caso da trilogia de Cassandra Clare, de "O Anjo Mecânico"). Foi-me impossível, também, não fazer uma analogia bastante interessante e que me fascinou, revelando a mestria do autor. Existe uma grande dose de experiências cientificas cujo objetivo é criar vida depois da morte, ou seja, reviver. Uma das personagens, uma jovem de trinta e poucos anos, tem por nome María Shelley, filha de Joan Shelley, doutor especialista em deformações do corpo e doenças raras. Era impossível não associar María Shelley a "Frankenstein", sendo este o nome da sua autora (Mary Shelley).

As personagens estão muito bem definidas e apresentadas, com passados muito bem estruturados e uma história forte. Marina é uma personagem muito forte, carismática e maravilhosa, cuja atitude se mostra sempre interessante e valente, apesar de tudo. Óscar, pelo seu lado, é uma personagem com um temperamento diferente do de Marina, sendo menos perspicaz e menos afoito, acabando por seguir os passos dela e tornar-se num bom "investigador", menos temoroso e mais valente. Todas as outras personagens são muito bem definidas, com histórias brilhantes e com um passado bem sombrio e cheio de "esqueletos no armário". O passado, como em todas as histórias de Zafón, é a personagem principal e mais grandiosa da obra. É um prazer penetrar no passado das personagens de Zafón, numa Barcelona já há muito perdida, como diz Óscar no epílogo: "A Barcelona da minha juventude já não existe". 

Uma noite, era quinta-feira, Marina beijou-me nos lábios e sussurrou-me ao ouvido que me amava e que, acontecesse o que acontecesse, me amaria sempre.
 

Mergulhar na Barcelona de Zafón é mergulhar num mundo mágico e resplandecente, que nos puxa para si, para não mais nos largar. Ler Zafón é como fazer uma viagem, tanto pelo Tempo como pelo Espaço, em que o destino nunca é aquele que se está à espera. Belíssima história, com um final arrepiante e comovente. Uma história repleta de amor e tragédia, com um ambiente digno de um filme de terror ou suspense. Deviam mesmo adaptar estas obras ao cinema. Não esquecerei esta história, nem estas personagens. 

Surpreendi-me a mim mesmo olhando-a fixamente e, sem saber de onde me saiu aquela coragem, inclinei-me sobre o seu rosto procurando-lhe a boca. Marina pousou os dedos sobre os meus lábios e acariciou-me a cara, repelindo-me com suavidade. (...)
Cortou a folha e estendeu-ma.
- É para si, Óscar, para que não se esqueça da minha Marina.
(...)
Apaguei a luz e a imagem de Marina andando na sua praia deserta veio-me à mente.

 Recomendo. 

Às vezes duvido da minha memória e pergunto a mim mesmo se apenas serei capaz de recordar o que nunca aconteceu.
Marina, levaste todas as respostas contigo.
pág. 260

NOTA (0 a 10): 10

14 comentários:

  1. Olá,

    Não há duvida que +e dos teus escritores favoritos, apenas li A Sombra do Vento e foi um livro que me agradou imenso e o mais curioso é que tenho uma colega no emprego que comprar todos os liros do escritor e já me disponibilizou os livros mas nunca me deu para continuar a ler mais livros dele, algo errado já percebi, mas tenho tantos por ler que nem dos meus dou conta.

    A ver se um dia volto a ler um livro seu, gostei do teu comentário :)

    Bjs

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    1. Olá Fiacha,

      sim, é mesmo. Ainda bem que tive a oportunidade de conhecer este autor. Oh, tens de ver se consegues encontrar um momento para continuares os livros dele, pois é um desperdício não o fazeres. Aviso-te já que o "O Jogo do Anjo" é algo do outro mundo! Pois, entendo perfeitamente, nem sempre conseguimos ler todos, são tantos.

      Sim. Depois quero saber o que achaste. Obrigada :)

      Bjs e boas leituras

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  2. Pois consegues sempre deixar-me com vontade de ler os livros que comentas e neste caso a lembrar-me que até é bem fácil de os ler.

    Fica a sugestão o próximo que ler dele será O Jogo do Anjo ;)

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    1. Fixe, volto a dizer que depois quero ver a opinião =D
      Aviso-te já que o livro é bem marado e que dá grandes voltas ao pensamento, o que é bom!

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  3. Olá Maria,

    Excelente opinião a este livro de um grande autor. Este ainda não li mas fiquei ainda mais curioso. Vamos lá ver se a carteira me deixa apanhá-lo!

    Bjs e boas leituras!

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    1. Olá Luís,

      muito obrigada. Foi por esse motivo que esperei tanto para o ler, mas ainda bem que poupei para o comprar =)
      Para mim, é dos melhores dele.

      Beijinhos e boas leituras!

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  4. Olá Maria. :D

    Fico muito contente que tenhas gostado tanto desta obra. Tal como sucedeu contigo, senti-me arrebatada pela história, pelo terror constante, pelas personagens carismáticas e claro pela escrita sublime. Este foi um dos livros que mais gostei do género Terror e veio, sem dúvida, firmar o quanto gosto do autor.

    Tenho "O Jogo do Anjo" por ler e fiquei curiosa por o associares a este volume. Tenho de o tentar ler num futuro próximo. :)

    Beijinhos e boas leituras*

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    1. Olá Rita =)

      Um dos melhores que li este ano. De facto, este é um dos melhores livros do autor. Não tendo um enredo tão extenso como os outros, principalmente os da Sombra do Vento, este torna-se numa maravilhosa história para ser contada numa noite fria, junto à lareira, se se pretender um ambiente mais sombrio. É muito belo, sem dúvida.

      Tens de ler, é mesmo muito bom e muito estranho e arrepiante! Vais gostar, de certeza =D

      Beijinhos e boas leituras ^^

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  5. Ótimo livro ! Amei muito ! Esta resenha está muito boa e corretamente junta com o livro ! (:

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  6. Gostei imenso da tua resenha (:

    Como grande fã de Zafón, não pude deixar escapar esta obra, que terminei hoje. Gostei imenso. Posso dizer que foi o meu livro favorito da sua autoria (embora a trilogia da sombra do vento continue a ser bastante especial para mim), a história tem aquele lado grotesco (digo isto num sentido positivo) e bastante interessante que me cativou até ao final. E por falar no final... fui apanhado completamente de surpresa com o desenrolar da história e apesar de não ter sido levado por bons caminhos (por assim dizer), deixou aquele sentimento que faz de um livro, um bom livro (:

    Espero que quem o tenha lido se tenha sentido da mesma maneira. E quem ainda o vai ler, que goste imenso. Zafón é um génio que vale a pena ser lido e relido.

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    1. Olá,

      muito obrigada =)

      Concordo completamente com o que diz no seu comentário. O livro é fabuloso. De facto tem um lado grotesco, positivo, que faz com que seja tão maravilhoso. Zafón é um exímio contador de histórias. Esta fez-me lembrar muito "O Jogo do Anjo", por causa do ambiente e das marionetas. Toda a trilogia é fantástica, especialmente os dois primeiros, para mim. Também li "O Príncipe da Neblina", que também tem um cariz bastante sombrio. Mas "Marina" é sem dúvida um dos seus melhores livros. Também fiquei bastante surpresa com a parte final e com o que a ela levou. Apesar de ter tido um final bastante comovente, foi muito bonito. É uma história muito especial.

      Sim, Zafón é, sem dúvida, um génio!

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  7. Estava tentando lembrar o nome dos personagens desse livro e me deparei com sua resenha. Eu amo a forma como o Zafón escreve e já lí todos os seus livros, desde que A sombra do vento, fiquei viciada!!! Adorei sua resenha, é exatamente como eu li esse livro, que considero, depois de A sombra do Vento, o melhor. Parabéns pelo texto e pelo blog! Bjs
    http://territorio6.blogspot.com.br/

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    1. Obrigada pelo comentário, vou visitar o seu blog =)
      Zafón é, sem dúvida, um dos melhores escritores da atualidade. Maravilhoso!
      Este e a Sombra do Vento são os meus favoritos, seguidos de O Jogo do Anjo, que é bem estranho!

      Bj

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