sábado, 28 de setembro de 2013

"O Perfume - História de um assassino", de Patrick Suskind

Como outrora na sua caverna, em sono-no-seu-sonho, no-seu-coração-na-sua-imaginação subia repentinamente o nevoeiro, o insuportável nevoeiro do seu próprio odor que lhe era impossível cheirar, porque ele não tinha odor. E, como nessa altura, foi invadido por um medo e uma angústia infinitas e julgou que morria asfixiado. Só que, contrariamente à vez anterior, não se tratava de um sonho, nem do sono, mas era a realidade pura e simples. E, contrariamente à vez anterior, não estava só na caverna, mas em pé numa praça, frente a dez mil pessoas. E, contrariamente à vez anterior, de nada lhe serviria gritar para acordar e libertar-se, nem voltar costas para se refugiar no mundo quente e salvador. Pois este aqui e agora era o mundo e este aqui e agora constituía a realização do seu sonho. E fora ele que assim o quisera. (pág. 229)


"Perfume - História de um Assassino" conta-nos a história de Jean-Baptiste Grenouille, nascido a 17 de julho de 1738, em Paris, filho de uma peixeira que foi condenada à morte por decapitação após o dar à luz, uma vez que foi presa por deixar o bebé no meio do lixo da banca de peixe, confessando que o teria deixado morrer, como tinha feito a outros quatro filhos. O bebé é entregue a várias amas, que não querem ficar com ele por um motivo: ele não tem cheiro e isso só pode ser um sinal do mal. Numa época de muita superstição, a criança sem cheiro torna-se em algo sinistro e digno de medo. Depois de passar por várias amas, Grenouille chega a Jeanne Bussie, que depois de cuidar dele por algum tempo decide voltar a entregá-lo ao padre Terrier, que acaba por entregá-lo a Madame Gaillard, uma jovem viúva que em criança tinha sido vítima de uma pancada de atiçador na fronte, dada pelo pai. Como a pancada tinha sido mesmo na parte do começo do nariz, fez com que ela perdesse o olfato para sempre. O que também perdera foi a ternura e a alegria, tornando-a uma pessoa amarga, mas justa. Madame Gaillard, como não tinha olfato, não sabia que Grenouille tinha cheiro e cuidou dele, juntamente com mais crianças que o odiavam e temiam por não ter cheiro.

Foi na pensão que descobriu o seu dom: conseguia cheirar todos, mas todos os odores do Mundo, conseguia memorizá-los a todos, criando dentro de si um local especial onde guardar as memórias de todos os odores que ia cheirando, de modo a criar o seu próprio mundo, um mundo onde ele é que era o mais maravilhoso dos seres, o melhor e o mais perfeito. Grenouille queria cheirar todos os odores, saber da sua existência, decorar os seus nomes e conseguir ficar com eles, extraí-los dos seus corpos e matéria e fazer com que se tornassem algo palpável, algo que pudesse ter fisicamente.

Quando a pensão acabou, ela entregou-o a um curtidor de peles, de nome Grimal, que o fez seu aprendiz no ano de 1747. Grenouille esteve sob o seu jugo até cerca de 1753, até decidir ser aprendiz de um famoso perfumista, Guiseppe Balidini. Tal deveu-se ao facto de ter cheirado pela primeira vez um odor mais puro e belo do que todos os outros, o odor de uma rapariga, no dia 1 de setembro desse ano. Um odor que para sempre ficaria gravado na sua maravilhosa e dotada memória, um odor que queria para si e que queria aperfeiçoar, o odor da jovem da Rua des Marais, a sua primeira vítima.
Foi no atelier de Baldini que começou a criar os seus primeiros perfumes, que fizeram com que Baldini enriquecesse. Depois de conhecer tudo o que tinha para conhecer ali, em termos de processos de destilação e de extração de perfume, Grenouille partiu em busca de mais formas de criar perfumes, em especial da odorização a frio, a quente e a óleo, que Baldini lhe mencionara haver em Grasse.
No caminho para Grasse, agora com 18 anos, ele encontrou uma elevação vulcânica na qual passou a viver, em Auvergne. Lá descobriu um local isento do odor humano comum e reles, que ele achava horrível. Por isso ficou lá a morar e durante sete anos nada mais fez, a não ser viver nos seus sonhos, criando para si só um universo maravilhoso, um reino de maravilhas em que ele era o rei supremo, o maior, aquele que erradicara todos os odores horrorosos, aqueles que o poluíam e enojavam, criando e deixando viver apenas aqueles de que gostava. No entanto o seu oásis acabou por ruir, ao contemplar, nos seus sonhos, o cheiro da jovem que tinha morto e a promessa de um perfume belíssimo. E isso fez com que tomasse consciência do seu próprio odor: aquele que ele não tinha. O seu odor sem cheiro, sem marca, o seu mistério e o que mais temia. Grenouille temia não ter cheiro, temia e horrorizava-se.

Partiu então em busca de um odor, o seu odor. Prometeu criar o seu próprio odor, o mais belo, o mais perfeito, aquele que faria com que todos os humanos à face da Terra o amassem. Porque ele queria ser amado e não ignorado, pois sabia que era o facto de não ter odor que fazia com que todos os ignorassem, uma vez que a explicação para se amar, odiar, temer ou ignorar era o odor que cada um emanava e nada mais.

Esta é a história de Grenouille. Decidi elaborar este resumo maior para explorar melhor a história presente na obra. Este livro é uma narrativa, uma história contada completamente na perspetiva do narrador, sempre presente, que tudo vê e tudo sabe. Existem poucos diálogos, alguma descrição de locais, mas principalmente bastantes descrições de atitudes, pensamentos, odores e ideias. O autor, ao contar-nos esta história, está-nos a dar a oportunidade de conhecer Grenouille, compreender (ou não) as suas atitudes, tendo em conta os seus pensamentos, as suas opiniões, as suas ideias e decisões: os seus motivos.
Ao longo do livro é nos possível acompanhar Grenouille na jornada em busca do seu maior desejo. Um desejo que ao início não é o que parece, mas que é o mais profundo dos desejos do Homem: ser amado. Grenouille, tendo vivido desde pequeno no meio de tudo menos de amor, quer, bem no seu íntimo, ter para si algo que muitos têm: Amor. Tendo conhecimento que é devido a determinados odores que umas pessoas despertam mais amor do que outras, ele quer ter a essência odorífica dessas pessoas, pois só assim poderá ser-lhe possível ser amado.
Esta personagem é deveras complexa. Não consegui odiá-lo, mas também não gostei particularmente dele. Sendo ele um assassino, não o odiei por isso, pois no fundo compreendi os seus motivos. Só que também não tive piedade dele depois de ser apanhado. Acho que o facto da história ser contada na perspetiva do narrador cria um certo distanciamento das personagens. É possível conhecer os seus motivos e por isso compreende-se as suas atitudes. Porém, não me foi possível ficar encantada por ele, como tantas vezes acontece por outras personagens. Também o facto de ser um assassino não me deixou ficar encantada, como é claro. Mas, no fundo, ele queria ser amado... e isso chega a ser comovente, uma vez que nunca teve oportunidade de o ser. Ninguém se esforçou por amá-lo. Quando teve alguém do seu lado foi apenas por interesse dessas pessoas, para lucrarem com ele, sentido algo de repelente em relação a ele, nunca lhe tocando ou gostando de verdade. O facto de Grenouille odiar os homens e mulheres deve-se ao facto de estes nunca o terem amado, apenas temido e sentido nojo. Porque, tendo apenas recebido distância e frieza das pessoas, é que havia de amá-las? No entanto, ele desejava ser amado, bem lá no seu coração.

E este facto é bastante interessante e o pomo da questão, uma vez que é à volta dele que toda a história flui. Todas as ações de Grenouille estão de acordo com esse fim. E não é o que todos nós queremos? Ser amados? Porque é que ele haveria de não o querer ser?


A escrita é bastante fluída e bem encadeada. Os vocábulos estão bem escolhidos de modo a criarem um maravilhoso quadro visual do que vai acontecendo ao longo da história. Isso foi um facto que me encantou. O autor tem um humor bastante interessante também, aquando de certos momentos irónicos. E o final é bastante surpreendente, bem como o que caminho que é percorrido até lá chegar. Todas as outras personagens que vão aparecendo são interessantes, havendo sempre uma caracterização das suas atitudes e motivos. Este ponto está sempre presente para todas as personagens e tal é muito importante para a compreensão da história. O autor fez um trabalho excelente a esse nível e a muitos outros, como tenho vindo a mencionar nesta minha reflexão sobre a obra.

Também, e não menos importante, existe um aspeto muito bom ao longo da história: o contexto histórico. O ambiente, as mentalidades, os comportamentos, tudo está de acordo com o século XVIII. A história passa-se apenas uns anos antes da Revolução Francesa e, numa análise mais profunda da obra, é possível observar muito tenuemente alguns laivos do que provocou a revolução, como os avanços científicos, o distanciamento da religião, novas formas de ver o mundo e de agir perante certos acontecimentos. É um aspeto bem interessante e bem conseguido.

Foi então que Grenouille sentiu que o olhar lhe fugia e o mundo exterior se transformava em trevas. O nevoeiro prisioneiro condensou-se num líquido ardente, à semelhança do leito que ferve e vem por fora. Inundou-o e esmagou-o com uma insuportável pressao de encontro à parede interior do seu corpo, sem encontrar saída. Ele queria fugir, fugir por qualquer meio, mas fugir para onde? ... Queria desfazer-se, explodir, para não ser asfixiado por si próprio. Finalmente, caiu prostrado e sem sentidos. (pág. 230).

Espero ver o filme brevemente, para comparar.
Recomendo-o a todas as pessoas que gostam de ler uma boa história.
Muito bom! 

Tinha-o na cova da mão. Um poder superior ao poder do dinheiro ou ao poder do terror ou ao poder da morte: o poder invencível de suscitar amor nos homens. Só havia uma coisa que este poder não abrangia: não conseguia que Grenouille emanasse odor. E embora o seu perfume o fizesse aparecer como um deus aos olhos do mundo ele, se ele não podia cheirar-se a si próprio e jamais saberia quem era, estava-se nas tintas: para o mundo, para ele próprio e para o seu perfume. (pág. 240)

NOTA (0 a 10): 9

sábado, 21 de setembro de 2013

"O Homem Invisível", de H.G. Wells

Este é o terceiro livro que leio de H. G. Wells. O primeiro foi "A Guerra dos Mundos", por causa do filme;
o segundo foi "A Máquina do Tempo", por causa do livro "O Mapa do Tempo" de Félix J. Palma. Depois de ter gostado tanto desses dois livros, encontrei uma razão para conhecer melhor a obra do autor, uma vez que tinha gostado bastante dos que li. Por isso mesmo decidi ler "O Homem Invisível".

Este livro, tal como os dois que mencionei, tem uma forte componente de Ficção Científica e de Ciência. Nele está presente uma história bastante simples de um homem que, na ânsia de saber mais e de querer fazer algo famoso e fantástico a nível da Ciência, para ser um grande famoso deste meio, decide investigar a fundo a pigmentação e a transparência, de acordo com as leis da Física, nomeadamente da refração e reflexão da luz em objetos de diferentes cores e materiais. Então, devido à acontecimentos que não esperava, opta por aplicar as fórmulas e os instrumentos da sua experiência em si mesmo, tornando-se assim invisível. Ao tornar-se invisível, descobre que nada é como pensava, uma vez que como ninguém o pode ver, tudo o que ele faça junto das pessoas é aterrador para estas, pois pensam que é algo sobrenatural, uma vez que a probabilidade de alguém se tornar invisível é nula. Passando-se a história no século XIX, tendo em conta as descrições presentes e a época em que o escritor viveu, sendo que este livro foi publicado em 1897 (não está presente explicitamente nenhuma data ou época em que se passa o enredo), é completamente normal compreender o comportamento das pessoas face à presença de um homem invisível.

Existem vários aspetos presentes na obra que permitem uma leitura mais profunda. Tendo em conta a perspetiva da Ciência, podemos constatar aqui algo que é possível observar ao longo da História e algo importante nas descobertas Cientificas: a necessidade de comunicar as descobertas, de ter apoio, de estar numa comunidade. Griffin, o homem invisível, decide começar as suas investigações completamente sozinho, sem nada comunicar à comunidade científica, sem anda dizer aos seus colegas. Decide isolar-se e testar as suas hipóteses e conhecimentos, sem o conhecimento de ninguém e decide também não dar a conhecer os resultados da sua investigação, querendo ser ele o único homem invisível, o detentor supremo de tal saber. Ora, isto não está certo em Ciência, pois esta é um corpo, um sistema que não sobrevive e não prospera no isolamento, necessitando de todos os seus membros. 

Outro aspeto está relacionado com a sociedade. Ao isolar-se dos outros, Griffin começa a descartar-se das pessoas, pensando apenas nele mesmo e nas suas necessidades, tornando-se obcecado e solitário. Uma vez que ninguém sabia das suas investigações, não tinha ninguém para o ajudar. Ora, quando se viu em apuros, em vez de ter como solucionar os seus problemas, apenas os aprofundou mais, criando uma espiral de problemas e situações aterradoras que acabaram por ter culminar em tragédia. Griffin, na sua loucura pelo saber e pelo isolamento, tornou-se um ser humano isolado, perdendo a capacidade de viver em sociedade. Também ninguém o procurou ajudar, mesmo quando ele pediu, mais tarde, pois ninguém o compreendeu. Tal deveu-se ao facto da sua reputação enquanto algo perigoso, que cresceu com as suas atitudes perante as pessoas que foi encontrando e que se mostraram aterradas com a sua diferença, nunca entendendo porquê é que ele era diferente. Ou seja, depois de saberem que ele era invisível, ninguém se preocupou a saber o porquê, sendo que, quando tal acontece, junto do Doutor Kemp, um colega de Griffin, já é tarde. Isto porque Griffin já tinha criado para si uma reputação de perigosidade bastante grande e pela proposta que este fez ao Doutor Kemp: criar um reino do terror, em que Griffin seria o chefe. Aqui é possível constatar a loucura deste homem, que sucumbiu à loucura do poder, que lhe foi conferido pela invisibilidade. Deste modo é possível observar o que o medo do desconhecido e do que não se compreende e o não conseguir chegar a um debate verbal com as pessoas pode causar, levado ao extremo. 

Esta obra é como que uma metáfora que reflete sobre os prós e os contras das investigações científicas, sobre como estas se relacionam com as pessoas e como estas as compreendem (ou não, tendo em conta a época em que foi escrita). Reflete ainda a incapacidade do Homem para aceitar (ou não) o que não entende, preferindo chegar a ações extremas do que ao diálogo e ao entendimento. 

É interessante constatar, após a leitura de três livros deste autor, que a vertente científica, os seus prós e contras, está sempre presente. Tendo sido o século XIX, um século de grandes invenções e descobertas, é interessante observar a visão destes factos pela visão de um escritor bastante visionário. É bom constatar que a imaginação e a investigação andam sempre de mãos dadas. 

Quem disse que a invisibilidade é impossível? Quem disse que as máquinas do tempo são impossíveis? Quem disse que invasões alienígenas são impossíveis? Não sabemos, mas é interessante ler obras com estes temas, principalmente tendo sido escritas num século em que a tecnologia não é a que conhecemos hoje em dia, em que estes temas eram fantásticos e extraordinários. A imagem visionária deste autor é maravilhosa e  é com bastante gosto que leio as suas obras.

Recomendo vivamente!

NOTA (0 a 10): 8,5

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Selo =)

Recebi este selo do Blogue Amanda, a menina e o vento: livros, músicas e filmes!
Muito obrigada. Vou então passar o selo a 10 blogues, depois de dizer quais são as minhas sagas preferidas.


Elas são: Harry Potter, de J.K. Rowling; Farseer e The Tawny Man (Aprendiz de Assassino e Regresso do Assassino), de Robin Hobb; As Crónicas de Gelo e Fogo, de George Martin.

Como O Senhor dos Anéis é trilogia, não entra aqui. No entanto. não podia deixar de mencionar.

As regras são: dizer as sagas preferidas e passar a 10 blogues com menos de 200 seguidores.

Os 10 blogues:.

Os Livros do Lars
Nom Nom Livros
Leituras do Corvo Fiacha
Stuff* O Meu Mundo
A Corte dos Livros
Livros, Histórias e Mundos Fantásticos
As Estantes Azuis
Folhas do Mundo
Books Make You Wilder
One Love, A Thousand Books

Boas leituras! Avisei-vos a todos =)

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

"Minha Querida, Queria Dizer-te", de Louisa Young

O meu gosto por livros com este tipo de tema já não é novidade. O meu gosto por romance histórico também não. Decidi apostar neste livro pelo tema em si, se bem que a capa e o título também foram bastante sedutores. A 1ª Grande Guerra foi um acontecimento histórico, social, económico e político interessante, não pelo guerra, claro, mas pelas transformações que ajudou a causar, principalmente na Europa. Depois da 1ª Guerra, a sociedade mudou bastante: as mentalidades mudaram, a aristocracia decaiu, os empregos alteraram-se, a industria mudou, os interesses das pessoas mudaram, as roupas mudaram, os comportamentos mudaram, as classes sociais viram crescer a igualdade entre si (se bem que por mais pouco que possa ter parecido, para a altura foi bastante, uma vez que o despropósito que se tinha vindo a observar ao longo dos tempos já era uma vergonha).

Na década de 10, de 1900, Inglaterra: Riley Purefoy é um jovem de 20 anos, que se apaixona por Nadine Waverley, uma jovem da mesma idade, mas de nível social mais elevado. Ambos são amantes de Arte e estudam com Sir Alfred, no seu atelier, sendo lá que o amor floresce. No entanto, devido à intromissão dos pais de Nadine, esta abandona o atelier, deixando Riley triste e desalentado. Depois de uma experiência que não correu como esperado, Riley decide que a única solução para os seus problemas é a ida para a guerra. Assim parte,deixando para trás a família, Nadine e Sir Alfred, decidido a tornar-se alguém como oficial. O que ele não sabia era a dura realidade que o esperava e logo começa a arrepender-se de sua decisão.
Enquanto a guerra "avança", Riley conhece outros soldados e torna-se amigo deles, nomeadamente do seu major, Locke.

Os homens estão nas trincheiras francesas, enquanto que as mulheres começam a integrar-se nos hospitais: as casas senhoriais que são oferecidas como tal. É aqui que vamos encontrar Nadine e Rose, prima de Locke. Temos também Julia, a esposa de Locke, que, atormentada pela falta do marido e pela culpa de não ter uma educação tão prática mas apenas de "esposa e mãe", que a tornam numa mulher fútil e preocupada em manter a casa e o seu visual maravilhosos para a chegada do esposo.

À medida que o tempo passa, vamos podendo observar a evolução destas personagens, das suas vidas, das suas atitudes e comportamentos, bem como do seu estado emocional. Como o período da narrativa abrange antes e durante a guerra e logo depois do armistício, sendo por isso possível acompanhar a evolução das personagens e da sociedade.

Ora, ao observar tais factores é possível constatar e compreender a evolução social que realmente aconteceu e o que a provocou. Isso é bastante interessante, uma vez que através desta leitura, consegui constatar factos que já tinha aprendido enquanto aluna, sobre este tema, tendo como exemplo a vida destas personagens, que foram algumas inspiradas em pessoas reais, sendo mesmo algumas das personagens pessoas reais. Este é o grande aspeto positivo da obra: conhecer, compreender, observar a evolução na Europa, a vários níveis, nomeadamente o social, causada pela guerra ou consequência da guerra. Um exemplo: muitas mulheres decidiram ir para os hospitais como enfermeiras, deixando as suas vidas sociais, de festas, recepções e passeios, tornando-se assim trabalhadoras, dinâmicas, práticas. Também começaram a ter uma visão diferente dos homens, uma vez que tinham de lidar com eles como pacientes, acabando assim muito do pudor do corpo que existia (e existe). O facto das motas se alterarem (saias mais curtas, penteados mais curtos...) também se deveu à guerra e isso está bem presente no livro.

No entanto, não me foi possível gostar muito deste livro.

A escrita/narração da autora: expressões como "oh... mas oh..." são demasiadas; exclamações no meio de descrições; algumas falhas temporais na idade das personagens; a utilização exagerada da conjunção copulativa "e" com vírgulas em demasia perto do "e"; as descrições das batalhas são poucas, havendo demasiados pensamentos das personagens, muitos...repetindo sempre a mesma ideia. E mesmo percebendo que tal deve ser para acentuar o horror que as pessoas passaram, a escolha de exclamações e repetições não foi a melhor, a meu ver;

O romance/personagens: as personagens são um pouco insípidas. Se há algo que eu gosto é de vibrar com as personagens, como o que elas fazem, o que lhes fazem, o que acontece. Não aconteceu.

Ora, estes dois factores foram essenciais para a minha reflexão sobre "gostar muito, gostar assim assim e não gostar", fazendo a balança pesar para o "não gostar". Porém, a qualidade da parte histórica fez com que a balança pesasse para o "gostar assim assim", equilibrando-a para as 3 estrelas.

Outro aspeto positivo foi a existência das descrições referentes à medicina, nomeadamente nos avanços das próteses. Estas descrições, altamente detalhadas e interessantes levaram-me a observar os avanços médicos e os procedimentos utilizados nos pacientes para os seus melhoramentos. Tendo lido "Marina" de Zafón, foi-me impossível não fazer uma associação à evolução de próteses presentes em "Marina", devido à 2ª guerra, existindo assim uma continuidade neste assunto entre estas duas obras, "Minha Querida, Queria Dizer-te" referente à 1ª Guerra e "Marina" referente à 2ª Guerra.

Não posso dizer que o livro não seja bom. Ele é bom, mas falta-lhe algo; falta-lhe uma sensibilidade descritiva e narrativa mais bela, mais íntima. Queria ter ficado a gostar principalmente das personagens e isso não aconteceu, uma vez que não consegui criar nenhum laço com elas, a não ser com alguns dos soldados do regimento, que nem sequer fazem parte das personagens principais. O inicio do livro e a parte final são interessantes, mas há algumas partes que não são tanto como eu esperava que fossem.

Por isso, dou 3 estrelas, porque foi um livro que me ajudou a consolidar alguns conhecimentos sobre este tema, só que não me conseguiu agradar por aí além em relação às personagens e consequentemente ao enredo mais romantizado.

NOTA (0 a 10): 6

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

"O Último Reino", de Bernard Cornwell

Somos todos solitários e todos procuramos uma mão a que nos possamos agarrar na escuridão. Não é a harpa que importa, mas sim a mão que tange as suas cordas. pág. 392


Este é o segundo livro que tenho a oportunidade de ler escrito por Bernard Cornwell. O primeiro que li, já lá vão alguns anos, foi "O Forte", que se passa nos Estados Unidos, na guerra contra os Ingleses. "O Último Reino" passa-se na Inglaterra, entre 866 e 877 d.C., sendo o plano principal a guerra contra as invasões dinamarquesas, que assolaram as costas inglesas por essa altura.

Em plena Idade Média, Uthred mostra-nos, através da sua história, como era a Inglaterra (que ainda não o era, estando dividido em Nortumbria, Mércia, Ânglia Oriental, Wessex) e como é que se vivia com as costas constantemente a serem invadidas pelos dinamarqueses, povo que não queria apenas aterrorizar os ingleses, antes conquistá-los e povoar o território inglês com os seus filhos, uma vez que as terras dinamarquesas não eram de grande interesse (nível económico, agrícola, clima).

Uthred conta-nos, na primeira pessoa do singular, desde os 10 anos até aos 20, como foi a sua vida e como ela foi enredada com o destino de todo o reino inglês. Uthred vê-se afastado do seu reino, a Nortumbria, longe da sua fortaleza e da sua família. Feito refém pelos dinamarqueses após uma sangrenta batalha na qual participou enquanto filho de um dos chefes ingleses, Uthred afeiçoa-se ao chefe que o raptou, Ragnar, e este ao jovem. Assim, é junto dos dinamarqueses que cresce de criança para jovem, é junto deles que começa a aprender a lutar, a amar, a viver. No entanto, o seu destino não seria tornar-se num dinamarquês e logo se vê apartado destes, vendo-se com Alfredo, o Grande, rei de Wessex. Ao longo do seu crescimento, Uthred vê o reino inglês cair perante os dinamarqueses, restando só Wessex, o último reino e o único que pode fazer frente à total ocupação dinamarquesa. No meio de toda esta trama, Uthred não esquece o seu território, usurpado pelo seu tio, de quem jura vingar-se.

Este é o primeiro livro que nos mostra a "reconquista" do reino inglês, contado por Uthred. Foi uma leitura bastante agradável. Cornwell é um grande romancista histórico, mostrando-nos que não escreve sem conhecer os factos verdadeiros. Cornwell estuda documentos para então escrever as suas obras literárias. É de facto um grande escritor do género, como já tinha observado em "O Forte" e constatado aqui.
As descrições são muito vividas, cheias de vida, ajudando-nos a imaginar os locais e as pessoas, para melhor compreendermos a história. As personagens são quase todas reais, o que dá um grande relevo à obra, uma vez que lhe dá um cunho verídico muito grande. Por isso mesmo, Cornwell não se poderia ter afastado muito da História, tendo por isso e também feito um grande trabalho com esta obra.
As personagens são ainda bastante ricas e complexas, principalmente Uthred, sendo ele a personagem principal e sendo ele o narrador, é-nos possível compreender e acompanhar os seus pensamentos e ações, sendo por isso possível seguir a sua história de perto e compreender os seus comportamentos e atitudes, bem como os das outras personagens, através dos seus olhos e pena.
As batalhas estão muito bem descritas, sendo bastante vividas, tal como o ambiente, como referi acima. Também o amadurecimento dos factos e das personagens é muito interessante e rico; a história encerra um período de 10 anos, por isso é possível observar o amadurecimento das personagens e da História, observando factos históricos conhecidos que deste modo tornam-se ainda mais interessantes, uma vez que fazem parte do enredo e não estão apenas nos documentos históricos para fazer trabalhos de pesquisa, algo que também me agrada fazer.
Tendo feito um trabalho para a Faculdade sobre a Idade Média (período que tanto me agrada) e estando nele presente Alfredo, o Grande, foi com grande contentamento que me embrenhei nesta leitura, uma vez que foi uma forma de ficar a saber mais sobre esta personalidade que tratei no referido trabalho.

Uma vez que sou fã de romance fantástico é também muito interessante ler romance histórico, verídico, e constatar que muito do que acontece no fantástico aconteceu na realidade, ou de modo muito parecido. É óbvio que muitos factos para o fantástico têm como base acontecimentos reais e é no romance histórico que tal é possível observar. Este é um dos factores pelos quais me agrada tanto este género literário, e este livro é muito bom no seu género.
Espero ler toda a Crónica Saxónica, uma vez que este me agradou bastante. A leitura é fácil, rica, inteligente e emocionante.

Recomendo a todos os que gostam deste autor e a todos os que se interessam por saber mais sobre o reino inglês na Idade Média, que é tão interessante e rico. Muito bom!!! 

NOTA (0 a 10): 8,5

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

"Marina", de Carlos Ruiz Zafón

Não sabia então que o oceano do tempo mais tarde ou mais cedo nos devolve as recordações que
nele enterramos. pág. 10.

Nota: a sinopse do Goodreads não está aqui presente pois mais abaixo encontra-se um resumo feito por mim.

"Marina" é uma das primeiras obras de Carlos Ruiz Zafón. Li "A Sombra do Vento" o ano passado, também por esta altura e fiquei de pronto fascinada com a mestria do autor, sentido uma enorme vontade de ler todos os seus outros livros. Li também " O Jogo do Anjo", "O Prisioneiro do Céu" e "O Príncipe da Neblina" e já há um ano que queria ler "Marina". Foi com grande mistério que comecei a ler esta obra e senti-me logo fascinada pela história, pelas personagens e pela escrita/linguagem que o autor usa ao longo da narrativa. Zafón é um autêntico contador de histórias, cuja linguagem pode ser definida com os termos de "delicada", "bela" e "melancólica". Esta história está embebida numa melancolia muito profunda, que persegue e procede todas as personagens ao longo das suas vidas. É um prazer ler este livro, pois nele estão encerrados temas que são fascinantes e misteriosos, acalentando algo estranho e inquietante durante a leitura.

Em "Marina", Zafón apresenta-nos Óscar Drai, um jovem de 15 anos, interno de um colégio de Barcelona. Óscar conta-nos a sua história na primeira pessoa do singular, começando pelo final, para depois iniciar a narração da sua aventura até ao momento final. Óscar, desaparece durante uma semana, em maio de 1980, sem deixar rastro e sem aviso. Então, Óscar decide-se a contar o que aconteceu para se ter eclipsado do colégio. Óscar tinha um passatempo quando terminavam as aulas diárias: sair do colégio e ir passear para o as redondezas. Um dia, no final de setembro de 1979, ele encaminhou-se para o norte do Paseo de la Bonanova, no Sarriá, chegando a uma rua deserta, com uma mansão de dois andares, ladeada por um jardim abandonado com uma fonte de esculturas. Com o portão entreaberto e um gato, Óscar decide aventurar-se dentro do jardim. Acaba por entrar na casa, seduzido pelo som de uma música bela, vinda de um gramofone. Chegado a um salão cheio de quadros na parede, Óscar fica admirado pela beleza do salão, acabando por encontrar um relógio de ouro com uma inscrição. Enquanto admirava o relógio, é surpreendido por um vulto a erguer-se de um cadeirão. Assustado, Óscar foge da mansão, levando consigo o relógio.
Porém, ao longo dos dias, sente uma enorme necessidade de devolver o relógio e voltar à mansão, não querendo ser achado de ladrão. Decide-se e acaba por conhecer uma jovem, muito bela, Marina. Marina é filha de Germán, morando ambos na mansão. Óscar fica desde logo encantado por Marina e encontra em Germán um amigo (o vulto da primeira incursão), começando a frequentar a mansão. Marina acaba por convidar o jovem para um passeio, acabando os dois no cemitério de Sarriá, onde encontram uma misteriosa dama de negro, que todos os últimos domingos do mês vai até lá, com uma rosa vermelha, para colocar num misterioso túmulo. Marina convence Óscar a seguirem a dama de negro e acabam ambos por se verem envolvidos numa trama do passado que nunca poderiam ter imaginado nem sonhado. Juntos vão viver uma aventura intensa, cheia de perigos e de mistérios, cuja história eles nunca poderiam acreditar se não a presenciassem.
Marionetas macabras, criaturas desumanas, estranhas e infernais, um passado repleto de mistério, assassínios e fraudes, invejas e crimes, amores e desamores. Este é o cenário dantesco em que Óscar e Marina vêem as suas vidas mergulhar, para nunca mais serem o que eram antes.

 Personagens presentes na ilustração: Óscar, Marina, Germán Blau, Kirsten Auermann (no retrato), María Shelley, Eva Irinova, Mikhail Kolvenick, marioneta animada

Apesar do tamanho desta obra, das suas parcas 260 páginas, esta é uma história grande, intensa, grandiosa e decadente, que nos enche de melancolia ao ler, mas também de uma beleza sublime e de esperança. É uma história com vários ingredientes, sendo o suspense a sua maior iguaria, uma vez que a viagem ao passado das personagens é bem alucinante e aterradora. Preparem-se para emoções fortes, com alguns laivos de terror à mistura, bem como uma grande dose de romantismo decadente, onde a doença, a amargura, a deformação, o mistério, a utopia, a Natureza e a Ciência, fazem parte do enredo como o ar faz parte da atmosfera. Esta é uma história de fantasmas e de ecos do passado, onde nem tudo o que parece é.

Ao ler este livro, foi-me impossível não associar algumas das ideias a outras presentes nas outras obras deste escritor, nomeadamente no livro "O Jogo do Anjo", em que muito, para não dizer tudo, não é o que parece, sendo toda a história uma espécie de incógnita, muito bela e também macabra, por vezes. Este livro tem vários aspetos desses, sendo o mais normal ter sido "O Jogo do Anjo" a herdar as ideias de "Marina", que lhe é anterior. Criaturas de metal, madeira e carne e osso, animadas por experiências, estão também presentes em "O Jogo do Anjo" (algo que me fascinou na altura e me voltou a fascinar agora, pois a ideia subjetiva a tal conceito é frequentemente apresentada em ficção steampunk ou de fantasia, como é o caso da trilogia de Cassandra Clare, de "O Anjo Mecânico"). Foi-me impossível, também, não fazer uma analogia bastante interessante e que me fascinou, revelando a mestria do autor. Existe uma grande dose de experiências cientificas cujo objetivo é criar vida depois da morte, ou seja, reviver. Uma das personagens, uma jovem de trinta e poucos anos, tem por nome María Shelley, filha de Joan Shelley, doutor especialista em deformações do corpo e doenças raras. Era impossível não associar María Shelley a "Frankenstein", sendo este o nome da sua autora (Mary Shelley).

As personagens estão muito bem definidas e apresentadas, com passados muito bem estruturados e uma história forte. Marina é uma personagem muito forte, carismática e maravilhosa, cuja atitude se mostra sempre interessante e valente, apesar de tudo. Óscar, pelo seu lado, é uma personagem com um temperamento diferente do de Marina, sendo menos perspicaz e menos afoito, acabando por seguir os passos dela e tornar-se num bom "investigador", menos temoroso e mais valente. Todas as outras personagens são muito bem definidas, com histórias brilhantes e com um passado bem sombrio e cheio de "esqueletos no armário". O passado, como em todas as histórias de Zafón, é a personagem principal e mais grandiosa da obra. É um prazer penetrar no passado das personagens de Zafón, numa Barcelona já há muito perdida, como diz Óscar no epílogo: "A Barcelona da minha juventude já não existe". 

Uma noite, era quinta-feira, Marina beijou-me nos lábios e sussurrou-me ao ouvido que me amava e que, acontecesse o que acontecesse, me amaria sempre.
 

Mergulhar na Barcelona de Zafón é mergulhar num mundo mágico e resplandecente, que nos puxa para si, para não mais nos largar. Ler Zafón é como fazer uma viagem, tanto pelo Tempo como pelo Espaço, em que o destino nunca é aquele que se está à espera. Belíssima história, com um final arrepiante e comovente. Uma história repleta de amor e tragédia, com um ambiente digno de um filme de terror ou suspense. Deviam mesmo adaptar estas obras ao cinema. Não esquecerei esta história, nem estas personagens. 

Surpreendi-me a mim mesmo olhando-a fixamente e, sem saber de onde me saiu aquela coragem, inclinei-me sobre o seu rosto procurando-lhe a boca. Marina pousou os dedos sobre os meus lábios e acariciou-me a cara, repelindo-me com suavidade. (...)
Cortou a folha e estendeu-ma.
- É para si, Óscar, para que não se esqueça da minha Marina.
(...)
Apaguei a luz e a imagem de Marina andando na sua praia deserta veio-me à mente.

 Recomendo. 

Às vezes duvido da minha memória e pergunto a mim mesmo se apenas serei capaz de recordar o que nunca aconteceu.
Marina, levaste todas as respostas contigo.
pág. 260

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